segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Criança


Mergulhei meu corpo no salto
e descobri que o sol sempre esteve nas nuances de mim.

Sou feita de algo sem nome
mistura com um não sei quê
que dá gosto ao sal.

Carrego na pele distâncias tão infinitas que me lonjuram.

Sou a fome pelo inominável.
Não sei definir.
Uso número para brincar com o sem fim.
Dentro da minha janela,
só crianças e ventos...
É que crianças e ventos são
o corpo genuíno do tempo.

sábado, 3 de outubro de 2015

Anunciação

Com cores de útero
inauguro a singeleza e anuncio:
É de luz o parir dos ventres.

O corpo banhado de sal e instantes
castiga o horizonte
com sangue, suor e saliva.

Uivos ao longe deflagram
o alfabeto da terra.

Daqui só posso dizer que é chegada a hora do nada.

Passarinho de mar é barco, XI

Certa vez, decidi que colheria flores. Passei a olhar todos os lugares com olhos de procura. Nada me satisfez. Fui a todos os parques, todos os bosques. Olhei para todos os chãos. E nada. Passava por várias flores, de todos os tipos, cores e formas. Nenhuma me dizia. Não importava se estivessem pisoteadas ou comidas por vermes. Simpatizo com a dor. Elas apenas não me diziam. Por um momento, cheguei a acreditar que deveria desistir. Estava na cara que o problema era eu.

De fato. Por algum tempo meu olhar esteve cansado de ouvir o chão. Daí o excesso de procura. Hoje, ainda sem flores, desconfio que na verdade eu não decidi nada. A vida não exige de nós que a busquemos. Foi então que abandonei a ideia de colecionar flores.




No abandono instaurado, as flores estão aos poucos surgindo sem que eu as espere. Já não espero mais por elas. Desconfio que minha vontade era o disfarce das flores diante da querência que são de me colecionar.

As flores me querem para ser o seu perfume. Coisa mais difícil essa de ser o que não se pode ver. Não consigo me ver colecionada no perfume das flores e, por isso mesmo, o sou. E a cada flor que me colhe, meu olhar acolhe o corpo do mundo. Cumpro a dispersão.

Eu não sou o tempo. Eu tempo.