Sempre sonhei escrever um livro
que contasse a palavra. Palavra foi o nome que decidi dar a tudo o que amo. Por
isso, é comum eu dizer para quem me conhece que tudo o que olho é palavra.
Tenho a palavra tatuada em meu olhar. Falo para todos que nasci das palavras,
mas poucos acreditam. Não me importo. Sou o que eu quiser ser.
A menina que palavra com pano,
vento e letras me disse certa vez que, quando se deparou com o sem rumo da
vida, desabrochou em ser pura felicidade. Àquela altura eu não entendia muito
bem seu dialeto. Estava muito crua para me ser. O bom é que, sendo, fui
aprendendo de tempo e vi que pano, vento e letras são o corpo da palavra. Da
minha palavra. De modo que, chegado o ponto final, não havia fim, mas o
arremate que nos desaguava em nova criação. Ponto final nunca é fim, querida,
mas concentração do que somos, me dizia a palavra.
O que eu desejava mesmo era ser
uma palavradora. Alguém que busca nas asas de um beija-flor a gramática da
vida. E esse desejo é o que me faz, ainda hoje, viver a vida que me vive. Se
escrevo o que escrevo, não é para mostrar ou dizer algo a alguém. Eu só gosto
de olhar as palavras fazendo amor no texto. As letras são tão puras. Sabem ser
toda entrega. Talvez por isso não briguem umas com as outras só porque se
repetem em palavras diferentes.
Texto é universo. A magia de sua
harmonia está no convívio em sentido presentado por entre as palavras. As
palavras não brigam como os homens. Não declaram guerras umas contra as outras,
nem se sentem traídas.
Certa vez, enquanto flamingava
garatujas de rios nas estrelas, tentaram costurar botões em meus olhos. Por
sorte, palavra veio em sua carruagem feita de tempo e, com gotas de alfazema,
me sequestrou para o seu corpo. É de dentro dele que falo.
Aprendi com palavra e tempo que
eu precisava me educar. Educação era verbo de passar por entre as pernas do
niilismo e ser. De modo que passo os dias a desenhar em meus cabelos as nuances
do educar. E, ao educar, eu palavro.
Sou uma menina educada em
palavrar. Tudo o que toco vira letras de fazer realidades só minhas. Em sendo
palavra, declaro minha profunda entrega a ela – caminhar recolhido na sola dos
meus pés: andor que carrega meus primórdios, como diria o mestre...