Muitas pessoas
apenas fazem aniversário, mas não crescem. Talvez isso justifique o mundo no
qual insistimos em repetir. Talvez isso também justifique o fato de muitos
jovens não desejarem ou saberem crescer. Olham em volta e os ditos adultos não
os espelham em sua sinceridade e ousadia. Estão, a maioria, sem referências,
pois ao invés de adultos reais vêem a aberração de uma infância transformada em
infantilidade. Os infantilóides não são os jovens que recusam seus adultos, mas
os adultos que insistem em não crescer.
Olho para as
árvores... – mangueiras! Guardo dentro da alma uma mangueira sagrada... sonho
ser como ela... enfim... – e não me lembro de vê-las frutificar no instante
prepotente de suas vontades. Não! Elas frutificam quando é chegado o tempo. Não
apenas o seu tempo, mas o tempo da vida, o tempo da semente, o tempo do próprio
tempo. Frutificam e se multiplicam em milhares de possibilidades sem se
boicotar no caminho. Abrigam pássaros durante longas temporadas... e não consta
que cobrem alugueis por isso, deixando-os ir sem lhes cobrar presença ou
retribuição por tudo o que lhes foi dado. Mangueiras crescem de verdade,
Senhores! E nós?
Fico pensando o quão
pequena é ainda nossa alma, isto é, nosso olhar para o mundo, pois, vejam bem o
que fizemos com o amor, o abrigo, a liberdade... Nos deixamos envenenar por
palavras absolutamente falecidas das bocas que as pronunciaram e não percebemos
que, ao repeti-las, ajudamos na manutenção desse mundo que já não suportamos
mais. Que loucura é essa, Senhores? Ou seria excesso de racionalidade?
O fato é que desde
que me dei conta disso passei a me desejar tal qual uma mangueira. Não que eu
deseje ser ela, não é isso... mas desejo incorporá-la de tal modo a me permitir
crescer e frutificar plenamente. As crianças estão percebendo isso e, de algum
modo, demonstram prazer em brincar com meus galhos e descansar a minha sombra.
Conto para elas que não existem plantas, animais, minerais, seres humanos ou
qualquer outra categoria que nos possa segregar. Conto-lhes que só existe a
alegria de sermos seres com todos os outros seres dentro do grande ser que é a vida. E não me venham
com oposições de ordem filosófica, hein?! Escrevo o que vejo, oiço, gesto,
sinto com o corpo inteiro, como bem ensinou meu mestre. Seres sim que por necessidade
divina comungam o corpo da luz, para que ela própria irradiada possa se
consumar.
Sim. Os seres são
uma necessidade sagrada... assim como a palavra para o poeta, a luz para o pintor,
o silêncio para o músico, a vida para o ator... Exercer a vida sendo com toda a
realidade é ser genuinamente o encontro do sagrado com ele próprio. Por isso,
em minha loucura de poeta, converso com mangueiras, gatos e crianças. Procuro
escutá-los com a alma desperta de tal modo a tatuar na pele dos olhos seus
mistérios. Todos me narram as verdadeiras cores do sol e, com eles, vejo o sol sempre com cores diferentes. Foi embebida nessa
loucura de ser o que sou que passei a olhar com olhos de ver a magia de simplesmente crescer...
...
Havia chovido e
ventado muito na noite anterior, mas mesmo assim decidiram ir. Ele estava
apreensivo por conta da forte chuva que haviam pegado no caminho, mas, ao mesmo
tempo, animado pois seria o primeiro momento completamente sozinho com sua
grande paixão.
Depois de caminharem
um longo caminho a pé, chegaram ao portão do lugar mais sagrado para ela.
Imaginem o lugar onde suas almas foram forjadas em cores, aromas, voz,
gestos... pois é... eles estavam diante da alma dela, e ele nem desconfiava.
Entraram.
A quantidade de
galhos espalhados pelo chão era assustador e várias das mangueiras presentes no
lugar estavam completamente descabeladas e aparentemente machucadas. O coração
dela apertou. Sempre aprendeu a amar o vento. Sentia que mais cedo ou mais
tarde se deixaria levar por ele. Mas aquele vento... por que fez isso dentro da
minha alma?, se perguntava ela.
Foi então, depois de
longos arrepios, que se lembrou de sua amiga, mangueira plantada na infância
por ela, sua mãe e avó. Correu para vê-la. Chorou. Atingida por um raio, sua
amiga estava com o corpo cindido ao meio. As raízes negras. A terra ao redor
chorosa... Ajoelhou. Pediu-lhe perdão por não estar ali na hora do
acontecido... por não protegê-la como havia prometido na infância. Foi para
casa com a sensação de que também ela havia morrido. Aquela imagem nunca mais
saiu de seu coração. Ainda naquele dia, recolheu o corpo de sua amiga e o colocou
num lugar protegido, com a esperança de que pudesse fazê-lo
ressurgir. O tempo foi chegando. Longo e lento como só o tempo saber ser. E
todas as vezes que voltava para aquele lugar, ia ao encontro do que restou de
sua amiga.
Já conformada,
começou a notar que o corpo morto de sua mangueira amiga havia se modificado. A
coloração das raízes e do solo a sua volta estavam diferentes... seu coração
bateu forte... a árvore de sua infância estava viva! Ao romper dos primeiros
galhos, chorou... Seu tronco, agora mais forte e robusto do que antes, exalava
um marrom tão vivo quanto o marrom dos olhos de sua avó ao gargalhar...
Hoje ela frutifica
dentro dos meus olhos... Seja lá que rumo eu tome, meus passos são sempre
dentro do corpo dessa árvore... bebo da seiva de seu ser para me aprender
melhor e cresço. É de dentro dela que falo agora, Senhores. Sou a intuição
encarnada dessa eterna mangueira. Entre nós o diálogo é tão intenso que já não
precisamos mais nos dizer uma para outra. De nós, frutos, dores e silêncios são
gestados dentro dos raios para compor com a vida o desafio de eterna e
internamente crescer.